Quase ministro

 


 

Texto-fonte:

Teatro de Machado de Assis, org. de João Roberto Faria,

São Paulo: Martins Fontes, 2003.

 

Publicada originalmente na Semana Ilustrada, Rio de Janeiro, 1864.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

NOTA PRELIMINAR

 

Esta comédia foi expressamente escrita para ser representada em um sarau literário e artístico, dado a 22 de novembro do ano passado (1862), em casa de alguns amigos na rua da Quitanda.

 

Os cavalheiros que se encarregaram dos diversos papéis foram Os Senhores Morais Tavares, Manuel de Melo, Ernesto Cibrão, Bento Marques, Insley Pacheco, Artur Napoleão, Muniz Barreto e Carlos Schramm. O desempenho, como podem atestar os que lá estiveram, foi muito acima do que se podia esperar de amadores.

 

Pela representação da comédia se abriu o sarau, continuando com a leitura de escritos poéticos e a execução de composições musicais.

 

Leram composições poéticas os Senhores: conselheiro José Feliciano de Castilho, fragmentos de uma excelente tradução do Fausto; Bruno Seabra, fragmentos do seu poema Dom Fuas, do gênero humorístico, em que a sua musa se distingue sempre; Ernesto Cibrão, uma graciosa e delicada poesia — O Campo Santo; Doutor Pedro Luís — Os voluntários da morte, ode eloqüente sobre a Polônia; Faustino de Novais, uns sentidos versos de despedida a Artur Napoleão; finalmente, o próprio autor da comédia.

 

Executaram excelentes pedaços de música os Senhores: Artur Napoleão, A. Arnaud, Schramm e Wagner, pianistas; Muniz Barreto e Bernardelli, violinistas; Tronconi, harpista; Reichert, flautista; Bolgiani, Tootal, Wilmoth, Orlandini e Fernand, cantores.

 

A este grupo de artistas, é de rigor acrescentar o nome do Senhor Leopoldo Heck, cujos trabalhos de pintura são bem conhecidos, e que se encarregou de ilustrar o programa do sarau afixado na sala.

 

O sarau era o sexto ou sétimo dado pelos mesmos amigos, reinando neste, como em todos, a franca alegria e convivência cordial a que davam lugar o bom gosto da direção e a urbanidade dos diretores.

 

 

 

 

PERSONAGENS

 

LUCIANO MARTINS, deputado

DOUTOR SILVEIRA

JOSÉ PACHECO

CARLOS BASTOS

MATEUS

LUÍS PEREIRA

MÜLLER

AGAPITO

 

 

 

Ação — Rio de Janeiro.

(Sala em casa de Martins.)

 

 

 

Cena I

 

MARTINS, SILVEIRA

 

SILVEIRA

(entrando)

 

Primo Martins, abraça este ressuscitado!

 

MARTINS

 

Como assim?

 

SILVEIRA

 

Não imaginas. Senta-te, senta-te. Como vai a prima?

 

MARTINS

 

Está boa. Mas que foi?

 

SILVEIRA

 

Foi um milagre. Conheces aquele meu alazão?

 

MARTINS

 

Ah! basta; história de cavalos... que mania!

 

SILVEIRA

 

É um vício, confesso. Para mim não há outros: nem fumo, nem mulheres, nem jogo, nem vinho; tudo isso que muitas vezes se encontra em um só homem, reuni-o eu na paixão dos cavalos; mas que não há nada acima de um cavalo soberbo, elegante, fogoso. Olha, eu compreendo Calígula.

 

MARTINS

 

Mas, enfim...

 

SILVEIRA

 

A história? É simples. Conheces o meu Intrépido? E um lindo alazão! Pois ia eu há pouco, comodamente montado, costeando a praia de Botafogo; ia distraído, não sei em que pensava. De repente, um tílburi que vinha em frente esbarra e tomba. O Intrépido espanta-se; ergue as patas dianteiras, diante da massa que ficara defronte, donde saíam gritos e lamentos. Procurei contê-lo, mas qual! Quando dei por mim rolava muito prosaicamente na poeira. Levantei-me a custo; todo o corpo me doía; mas enfim pude tomar um carro e ir mudar de roupa. Quanto ao alazão, ninguém deu por ele; deitou a correr até agora.

 

MARTINS

 

Que maluco!

 

SILVEIRA

 

Ah! mas as comoções... E as folhas amanhã contando o fato: "DESASTRE. — Ontem, o jovem e estimado Dr. Silveira Borges, primo do talentoso deputado Luciano Alberto Martins, escapou de morrer... etc.”. Só isto!

 

MARTINS

 

Acabaste a história do teu desastre?

 

SILVEIRA

 

Acabei.

 

MARTINS

 

Ouve agora o meu.

 

SILVEIRA 

 

Estás ministro, aposto!

 

MARTINS

 

Quase.

 

SILVEIRA

 

Conta-me isto. Eu já tinha ouvido filar na queda do ministério.

 

MARTINS

 

Faleceu hoje de manhã.

 

SILVEIRA

 

Deus lhe fale n'alma!

 

MARTINS

 

Pois creio que vou ser convidado para uma das pastas.

 

SILVEIRA

 

Ainda não foste?

 

MARTINS

 

Ainda não; mas a coisa já é tão sabida na cidade, ouvi isto em tantas partes, que julguei dever voltar para casa à espera do que vier.

 

SILVEIRA

 

Muito bem! Dá cá um abraço! Não é um favor que te fazem; mereces, mereces... Ó primo, eu também posso servir em alguma pasta?

 

MARTINS

 

Quando houver uma pasta dos alazões... (batem palmas) Quem será?

 

SILVEIRA

 

Será a pasta?

 

MARTINS

 

Vê quem é. (Silveira vai à porta. Entra Pacheco)

 

 

 

Cena II

 

OS MESMOS E JOSÉ PACHECO

 

PACHECO

 

V. Exa. dá-me licença?

 

MARTINS

 

Pode entrar.

 

PACHECO

 

Não me conhece?

 

MARTINS

 

Não tenho a honra...

 

PACHECO

 

José Pacheco.

 

MARTINS

 

José... 

 

PACHECO

 

Estivemos dois dias juntos em casa do Bernardo. Fui-lhe apresentado por um colega da câmara.

 

MARTINS

 

Ah! (a Silveira, baixo) Que me quererá?

 

SILVEIRA

(baixo)

 

Já cheiras a ministro.

 

PACHECO

(sentando-se)

 

Dá licença?

 

MARTINS

 

Pois não! (senta-se)

 

PACHECO

 

Então que me diz à situação? Que me diz à situação? Eu já previa isto. Não sei se teve a bondade de ler uns artigos meus assinados — Armand Carrel. Tudo o que acontece hoje está lá anunciado. Leia-os, e verá. Não sei se os leu?

 

MARTINS

 

Tenho uma idéia vaga.

 

PACHECO

 

Ah! pois então há de lembrar-se de um deles, creio que é o IV, não, é o V. Pois nesse artigo está previsto o que aconteceu hoje, tim tim por tim tim.

 

SILVEIRA

 

Então V.S. é profeta?

 

PACHECO

 

Em política ser lógico é ser profeta. Apliquem-se certos princípios a certos fatos, a conseqüência é sempre a mesma. Mas é mister que haja os fatos e os princípios...

 

SILVEIRA

 

V.S. aplicou-os?...

 

PACHECO

 

Apliquei, sim, senhor, e adivinhei. Leia o meu V artigo, e verá com que certeza matemática pintei a situação atual. Ah! ia-me esquecendo (a Martins), receba V. Exa. os meus sinceros parabéns.

 

MARTINS

 

Por quê?

 

PACHECO

 

Não foi chamado para o ministério?

 

MARTINS

 

Não estou decidido.

 

PACHECO

 

Na cidade não se fala em outra coisa. É uma alegria geral. Mas, por que não está decidido? Não quer aceitar?

 

MARTINS

 

Não sei ainda.

 

PACHECO

 

Aceite, aceite! É digno; e digo mais, na atual situação, o seu concurso pode servir de muito.

 

MARTINS

 

Obrigado.

 

PACHECO

 

É o que lhe digo. Depois dos meus artigos, principalmente o V, não é lícito a ninguém recusar uma pasta, só se absolutamente não quiser servir o país. Mas nos meus artigos está tudo, é uma espécie de compêndio. Demais, a situação é nossa; nossa, repito, porque eu sou do partido de V. Exa.

 

MARTINS

 

É muita honra. 

 

PACHECO

 

Uma vez que se compenetre da situação, está tudo feito. Ora diga-me, que política pretende seguir?

 

MARTINS

 

A do nosso partido.

 

PACHECO

 

É muito vago isso. O que eu pergunto é se pretende governar com energia ou com moderação. Tudo depende do modo. A situação exige um, mas o outro também pode servir...

 

MARTINS

 

Ah!

 

SILVEIRA

(à parte)

 

Que maçante!

 

PACHECO

 

Sim, a energia é... é isso, a moderação, entretanto... (mudando o tom) Ora, sinto deveras que não tivesse lido os meus artigos, lá vem tudo isso.

 

MARTINS

 

Vou lê-los... Creio que já os li, mas lerei segunda vez. Estas coisas devem ser lidas muitas vezes.

 

PACHECO

 

Não tem dúvida, como os catecismos. Tenho escrito outros muitos; há doze anos que não faço outra coisa; presto religiosa atenção aos negócios do estado, e emprego-me em prever as situações. O que nunca me aconteceu foi atacar ninguém; não vejo as pessoas, vejo sempre as idéias. Sou capaz de impugnar hoje os atos de um ministro e ir amanhã almoçar com ele.

 

SILVEIRA

 

Vê-se logo.

 

PACHECO

 

Está claro!

 

MARTINS

(baixo a Silveira)

 

Será tolo ou velhaco?

 

SILVEIRA

 

Uma e outra coisa. (alto) Ora, não me dirá, com tais disposições, por que não segue a carreira política? Por que não se propõe a uma cadeira no parlamento?

 

PACHECO

 

Tenho meu amor próprio, espero que ma ofereçam.

 

SILVEIRA

 

Talvez receiem ofendê-lo.

 

PACHECO

 

Ofender-me?

 

SILVEIRA

 

Sim, a sua modéstia...

 

PACHECO

 

Ah! modesto sou; mas não ficarei zangado.

 

SILVEIRA

 

Se lhe oferecerem uma cadeira... está bom. Eu também não; nem ninguém. Mas eu acho que se devia propor; fazer um manifesto, juntar os seus artigos, sem faltar o V...

 

PACHECO

 

Esse principalmente. Cito aí boa soma de autores. Eu, de ordinário, cito muitos autores.

 

SILVEIRA

 

Pois é isso, escreva o manifesto e apresente-se.

 

PACHECO

 

Tenho medo da derrota.

 

SILVEIRA

 

Ora, com as suas habilitações...

 

PACHECO

 

É verdade, mas o mérito é quase sempre desconhecido, e enquanto eu vegeto nosa pedidos dos jornais, vejo muita gente chegar a cumieira da fama. (a Martins) Ora diga-me, o que pensará V. Exa. quando eu lhe disser que redigi um folheto e que vou imprimi-lo?

 

MARTINS

 

Pensarei que...

 

PACHECO

(metendo a mão no bolso)

 

Aqui lho trago. (tira um rolo de papel) Tem muito que fazer?

 

MARTINS 

 

Alguma coisa.

 

SILVEIRA 

 

 

Muito, muito.

 

PACHECO

 

Então não pode ouvir o meu folheto?

 

MARTINS

 

Se me dispensasse agora...

 

PACHECO

 

Pois sim, em outra ocasião. Mas em resumo é isso; trato dos meios de obter uma renda três vezes maior do que a que temos sem lançar mão de empréstimos, e mais ainda, diminuindo os impostos.

 

SILVEIRA

 

Oh!

 

PACHECO

(guardando o rolo)

 

Custou-me muitos dias de trabalho, mas espero fazer barulho.

 

SILVEIRA

(à parte)

 

Ora espera... (alto) Mas então, primo...

 

PACHECO

 

Ah! é primo de V. Exa.?

 

SILVEIRA

 

Sim, senhor.

 

PACHECO

 

Logo vi, há traços de família; vê-se que é um moço inteligente. A inteligência é o principal traço da família de V. Exas. Mas dizia...

 

SILVEIRA

 

Dizia ao primo que vou decididamente comprar uns cavalos do Cabo magníficos. Não sei se os viu já. Estão na cocheira do major...

 

PACHECO

 

Não vi, não senhor.

 

SILVEIRA

 

Pois, senhor, são magníficos! É a melhor estampa que tenho visto, todos do mais puro castanho, elegantes, delgados, vivos. O major encomendou trinta; chegaram seis; fico com todos. Vamos nós vê-los?

 

PACHECO

(aborrecido)

 

Eu não entendo de cavalos. (levanta-se) Hão de dar-me licença. (a Martins) V. Exa. janta às cinco?

 

MARTINS

 

Sim, senhor, quando quiser...

 

PACHECO

 

Ah! hoje mesmo, hoje mesmo. Quero saber se aceitará ou não. Mas se quer um conselho de amigo, aceite, aceite. A situação esta talhada para um homem como V. Exa. Não a deixe passar. Recomendações a toda a sua família. Meus senhores. (da porta) Se quer, trago-lhe uma coleção dos meus artigos?

 

MARTINS

 

Obrigado, cá os tenho.

 

PACHECO

 

Bem, sem mais cerimônia.

 

 

 

Cena III

 

MARTINS, SILVEIRA

 

MARTINS

 

Que me dizes a isto?

 

SILVEIRA

 

É um parasita, está claro.

 

MARTINS

 

E virá jantar?

 

SILVEIRA

 

Com toda a certeza.

 

MARTINS

 

Ora esta!

 

SILVEIRA

 

É apenas o começo; não passas ainda de um quase-ministro. Que acontecerá quando o fores de todo?

 

MARTINS

 

Tal preço não vale o trono.

 

SILVEIRA

 

Ora, aprecia lá a minha filosofia. Só me ocupo dos meus alazões, mas quem se lembra de me vir oferecer artigos para ler e estômagos para alimentar? Ninguém. Feliz obscuridade!

 

MARTINS

 

Mas a sem-cerimônia...

 

SILVEIRA

 

Ah! querias que fossem acanhados? São lestos, desembaraçados, como em suas próprias casas. Sabem tocar a corda.

 

MARTINS

 

Mas enfim, não há muitos como este. Deus nos livre! Seria uma praga! Que maçante! Se não lhe falas em cavalos, ainda aqui estava! (batem palmas) Será outro?

 

SILVEIRA

 

Será o mesmo?

 

 

 

Cena IV

 

OS MESMOS, CARLOS BASTOS

 

BASTOS

 

Meus senhores...

 

MARTINS

 

Queira sentar-se. (sentam-se) Que deseja?

 

BASTOS

 

Sou filho das musas.

 

SILVEIRA

 

Bem, com licença.

 

MARTINS 

 

Onde vais?

 

SILVEIRA

 

Vou lá dentro falar à prima.

 

MARTINS

(baixo)

 

Presta-me o auxílio dos teus cavalos.

 

SILVEIRA

(baixo)

 

Não é possível, este conhece o Pégaso. Com licença.

 

 

 

Cena V

 

MARTINS, BASTOS

 

BASTOS

 

Dizia eu que sou filho das musas... Com efeito, desde que me conheci, achei-me logo entre elas. Elas me influíram a inspiração e o gosto da poesia, de modo que, desde os mais tenros anos, fui poeta.

 

MARTINS

 

Sim, senhor, mas...

 

BASTOS

 

Mal comecei a ter entendimento, achei-me logo entre a poesia e a prosa, como Cristo entre o bom e o mau ladrão. Ou devia ser poeta, conforme me podia o gênio, ou lavrador, conforme meu pai queria. Segui os impulsos do gênio; aumentei a lista dos poetas e diminuí a dos lavradores.

 

MARTINS

 

Porém...

 

BASTOS

 

E podia ser o contrário? Há alguém que fuja a sua sina? V. Exa. não é um exemplo? Não se acaba de dar às suas brilhantes qualidades políticas a mais honrosa sanção? Corre ao menos por toda a cidade.

 

MARTINS

 

Ainda não é completamente exato.

 

BASTOS

 

Mas há de ser, deve ser. (depois de uma pausa) A poesia e a política acham-se ligadas por um laço estreitíssimo. O que é a política? Eu a comparo a Minerva. Ora, Minerva é filha de Júpiter, como Apolo. Ficam sendo, portanto, irmãs. Deste estreito parentesco nasce que a minha musa, apenas soube do triunfo político de V. Exa., não pôde deixar de dar alguma cópia de si. Introduziu-me na cabeça a faísca divina, emprestou-me as suas asas, e arrojou-me até onde se arrojava Píndaro. Há de me desculpar, mas agora mesmo parece-me que ainda por lá ando.

 

MARTINS

(à parte)

 

Ora dá-se.

 

BASTOS

 

Longo tempo vacilei; não sabia se devia fazer uma ode ou um poema. Era melhor o poema, por oferecer um quadro mais largo, e poder assim conter mais comodamente todas as ações grandes da vida de V. Exa.; mas um poema só deve pegar do herói quando ele morre; e V. Exa., por fortuna nossa, ainda se acha entre os vivos. A ode prestava-se mais, era mais curta e mais própria. Desta opinião foi a musa que me inspirou a melhor composição que até hoje tenho feito. V. Exa. vai ouvi-la. (mete a mão no bolso)

 

MARTINS

 

Perdão, mas agora não me é possível.

 

BASTOS

 

Mas...

 

MARTINS

 

Dê cá; lerei mais tarde. Entretanto, cumpre-me dizer que ainda não é cabida, porque ainda não sou ministro.

 

BASTOS 

 

Mas há de ser, deve ser. Olhe, ocorre-me uma coisa. Naturalmente hoje à tarde já isso está decidido. Seus amigos e parentes virão provavelmente jantar com V. Exa.; então no melhor da festa, entre a pêra e o queijo, levanto-me eu, como Horácio a mesa de Augusto, e desfio a minha ode! Que acha? é muito melhor, é muito melhor.

 

MARTINS

 

Será melhor não a ler; pareceria encomenda.

 

BASTOS

 

Oh! Modéstia! Como assenta bem em um ministro!

 

MARTINS

 

Não é modéstia.

 

BASTOS 

 

Mas quem poderá supor que seja encomenda? O seu caráter de homem público repele isso, tanto quanto repele o meu caráter de poeta. Há de se pensar o que realmente é: homenagem de um filho das musas a um aluno de Minerva. Descanse, conte com a sobremesa poética.

 

MARTINS

 

Enfim...

 

BASTOS

 

Agora, diga-me, quais são as dúvidas para aceitar esse cargo?

 

MARTINS

 

São secretas.

 

BASTOS

 

Deixe-se disso; aceite, que é o verdadeiro. V. Exa. deve servir o país. É o que eu sempre digo a todos... Ah! não sei se sabe: de há cinco anos a esta parte tenho sido cantor de todos os ministérios. É que, na verdade, quando um ministério sobe ao poder, há razões para acreditar que fará a felicidade da nação. Mas nenhum a fez; este há de ser exceção: V. Exa. está nele e há de obrar de modo que mereça as bênçãos do futuro. Ah! os poetas são um tanto profetas.

 

MARTINS

(levantando-se)

 

Muito obrigado. Mas há de me desculpar. (vê o relógio) Devo sair.

 

BASTOS

 

Eu também saio e terei muita honra de ir à ilharga de V. Exa.

 

MARTINS

 

Sim... mas, devo sair daqui a pouco.

 

BASTOS

(sentando-se)

 

Bem, eu espero.

 

MARTINS

 

Mas é que eu tenho de ir para o interior de minha casa; escrever umas cartas.

 

BASTOS

 

Sem cerimônia. Sairemos depois e voltaremos... V. Exa. janta às cinco?

 

MARTINS

 

Ah! quer esperar?

 

BASTOS

 

Quero ser dos primeiros que o abracem, quando vier a confirmação da notícia; quero antes de todos estreitar nos braços o ministro que vai salvar a nação.

 

MARTINS

(meio zangado)

 

Pois fique, fique.

 

 

 

Cena VI

 

OS MESMOS, MATEUS

 

MATEUS

 

É um criado de V. Exa.

 

MARTINS

 

Pode entrar.

 

BASTOS

(à parte)

 

Será algum colega? Chega tarde!

 

MATEUS

 

Não tenho a honra de ser conhecido por V. Exa., mas, em poucas palavras, direi quem sou...

 

MARTINS

 

Tenha a bondade de sentar-se.

 

MATEUS

(vendo Bastos)

 

Perdão; está com gente; voltarei em outra ocasião.

 

MARTINS

 

Não, diga o que quer, este senhor vai já.

 

BASTOS

 

Pois não! (à parte) Que remédio! (alto) Às ordens de V. Exa.; até logo... não me demoro muito.

 

 

 

Cena VII

 

MARTINS, MATEUS

 

MARTINS

 

Estou às suas ordens.

 

MATEUS

 

Primeiramente deixe-me dar-lhe os parabéns; sei que vai ter a honra de sentar-se nas poltronas do Executivo, e eu acho que é do meu dever congratular-me com a nação.

 

MARTINS

 

Muito obrigado. (à parte) É sempre a mesma cantilena.

 

MATEUS

 

O país tem acompanhado os passos brilhantes da carreira política de V. Exa. Todos contam que, subindo ao ministério, V. Exa. vai dar à sociedade um novo tom. Eu penso do mesmo modo. Nenhum dos gabinetes anteriores compreendeu as verdadeiras necessidades da pátria. Uma delas é a idéia que eu tive a honra de apresentar cinco anos, e para cuja realização ando pedindo um privilégio. Se V. Exa. não tem agora muito que fazer, vou explicar-lhe a minha idéia.

 

MARTINS

 

Perdão; mas como eu posso não ser ministro, desejava não entrar por ora no conhecimento de uma coisa que só ao ministro deve ser comunicada.

 

MATEUS

 

Não ser ministro! V. Exa. não sabe o que está dizendo... Não ser ministro é, por outros termos, deixar o país à beira do abismo com as molas do maquinismo social emperradas... Não ser ministro! Pois é possível que um homem, com os talentos e os instintos de V. Exa. diga semelhante barbaridade? É uma barbaridade. Eu já não estou em mim... Não ser ministro!

 

MARTINS

 

Basta, não se aflija desse modo.

 

MATEUS

 

Pois não me hei de afligir?

 

MARTINS

 

Mas então a sua idéia?

 

MATEUS

(depois de limpar a testa com o lenço

 

A minha idéia é simples como água. Inventei uma peca de artilharia; coisa inteiramente nova; deixa atrás de si tudo o que ate hoje tem sido descoberto. É um invento que põe na mão do país, que o possuir, a soberania do mundo.

 

MARTINS

 

Ah! Vejamos.

 

MATEUS

 

Não posso explicar o meu segredo, porque seria perdê-lo. Não é que eu duvide da discrição de V. Exa.; longe de mim semelhante idéia; mas é que V. Exa. sabe que estas coisas têm mais virtude quando são inteiramente secretas.

 

MARTINS

 

É justo; mas diga-me lá, quais são as propriedades da sua peça?

 

MATEUS

 

São espantosas. Primeiramente, eu pretendo denominá-la: o raio de Júpiter, para honrar com um nome majestoso a majestade do meu invento. A peça é montada sobre uma carreta, a que chamarei locomotiva, porque não é outra coisa. Quanto ao modo de operar é aí que está o segredo. A peça tem sempre um depósito de pólvora e bala para carregar, e vapor para mover a máquina. Coloca-se no meio do campo e deixa-se... Não lhe bulam. Em começando o fogo, entra a peça a mover-se em todos os sentidos, descarregando bala sobre bala, aproximando-se ou recuando, Segundo a necessidade. Basta uma para destroçar um exército; calcule o que não será umas doze, como esta. É ou não a soberania do mundo?

 

MARTINS

 

Realmente, é espantoso. São peças com juízo.

 

MATEUS

 

Exatamente.

 

MARTINS

 

Deseja então um privilégio?

 

MATEUS

 

Por ora... É natural que a posteridade me faça alguma coisa... Mas tudo isso pertence ao futuro.

 

MARTINS

 

Merece, merece.

 

MATEUS

 

Contento-me com o privilégio... Devo acrescentar que alguns ingleses, alemães e americanos, que, não sei como, souberam deste invento, já me propuseram, ou a venda dele, ou uma carta de naturalização nos respectivos países; mas eu amo a minha pátria e os meus ministros.

 

MARTINS

 

Faz bem.

 

MATEUS

 

Está V. Exa. informado das virtudes da minha peça. Naturalmente daqui a pouco é ministro. Posso contar com a sua proteção?

 

MARTINS

 

Pode; mas eu não respondo pelos colegas.

 

MATEUS

 

Queira V. Exa., e os colegas cederão. Quando um homem tem as qualidades e a inteligência superior de V. Exa., não consulta, domina. Olhe, eu fico descansado a este respeito.

 

 

 

Cena VIII

 

OS MESMOS, SILVEIRA

 

MARTINS

 

Fizeste bem em vir. Fica um momento conversando com este senhor. É um inventor e pede um privilégio. Eu vou sair; vou saber novidades. (à parte) Com efeito, a coisa tarda. (alto) Até logo. Aqui estarei sempre às suas ordens. Adeus, Silveira.

 

BASTOS

(baixo a Martins)

 

Então, deixas-me só?

 

MARTINS

(baixo)

 

Agüenta-te. (alto) Até sempre!

 

MATEUS

 

Às ordens de V. Exa.

 

 

 

Cena IX

 

MATEUS, SILVEIRA

 

MATEUS

 

Eu também me vou embora. É parente do nosso ministro?

 

SILVEIRA

 

Sou primo.

 

MATEUS

 

Ah!

 

SILVEIRA

 

Então V. S. inventou alguma coisa? Não foi a pólvora?

 

MATEUS

 

Não foi, mas cheira a isso... Inventei uma peça.

 

SILVEIRA

 

Ah!

 

MATEUS

 

Um verdadeiro milagre... Mas não é o primeiro; tenho inventado outras coisas. Houve um tempo em que me zanguei; ninguém fazia caso de mim; recolhi-me ao silêncio, disposto a não inventar mais nada. Finalmente, a vocação sempre vence; comecei de novo a inventar, mas nada fiz ainda que chegasse à minha peça. Hei de dar nome ao século XIX.

 

 

 

Cena X

 

OS MESMOS, LUÍS PEREIRA

 

PEREIRA

 

S. Exa. está em casa?

 

SILVEIRA

 

Não, senhor. Que desejava?

 

PEREIRA

 

Vinha dar-lhe os parabéns.

 

SILVEIRA

 

Pode sentar-se.

 

PEREIRA

 

Saiu?

 

SILVEIRA

 

Há pouco.

 

PEREIRA

 

Mas volta?

 

SILVEIRA

 

Há de voltar.

 

PEREIRA

 

Vinha dar-lhe os parabéns... e convidá-lo.

 

SILVEIRA

 

Para quê, se não é curiosidade?

 

PEREIRA

 

Para um jantar.

 

SILVEIRA

 

Ah! (à parte) Está feito. Este oferece jantares.

 

PEREIRA

 

Está já encomendado. Lá se encontrarão várias notabilidades do país. Quero fazer ao digno ministro, sob cujo teto tenho a honra de falar neste momento, aquelas honras que o talento e a virtude merecem.

 

SILVEIRA

 

Agradeço em nome dele esta prova...

 

PEREIRA

 

V.S. pode até fazer parte da nossa festa.

 

SILVEIRA

 

É muito honra.

 

PEREIRA

 

É meu costume, quando sobe um ministério, escolher o ministro mais simpático, e oferecer-lhe um jantar. E há uma coisa singular: conto os meus filhos por ministérios. Casei-me em 50; daí para cá, tantos ministérios, tantos filhos. Ora, acontece que de cada pequeno meu é padrinho um ministro, e fico eu assim espiritualmente aparentado com todos os gabinetes. No ministério que caiu, tinha eu dois compadres. Graças a Deus, posso fazê-lo sem diminuir as minhas rendas.

 

SILVEIRA

(à parte)

 

O que lhe come o jantar é quem batiza o filho.

 

PEREIRA

 

Mas o nosso ministro, demorar-se-á muito?

 

SILVEIRA

 

Não sei... ficou de voltar.

 

MATEUS

 

Eu peco licença para me retirar. (à parte, a Silveira) Não posso ouvir isto.

 

SILVEIRA

 

Já se vai?

 

MATEUS

 

Tenho voltas que dar; mas logo cá estou. Não lhe ofereço para jantar, porque vejo que S. Exa. janta fora.

 

PEREIRA

 

Perdão, se me quer dar a honra.

 

MATEUS

 

Honra... sou eu que a recebo... aceito, aceito com muito gosto.

 

PEREIRA

 

É no Hotel Inglês, ás cinco horas.

 

 

 

Cena XI

 

OS MESMOS, AGAPITO, MÜLLER

 

SILVEIRA

 

Oh! entra, Agapito!

 

AGAPITO

 

Como estás?

 

SILVEIRA

 

Trazes parabéns?

 

AGAPITO

 

E pedidos.

 

SILVEIRA

 

O que é?

 

AGAPITO

 

Apresento-lhe o Sr. Müller, cidadão hanoveriano.

 

SILVEIRA

(a Müller)

 

Queira sentar-se.

 

AGAPITO

 

O Sr. Müller chegou quatro meses da Europa e deseja contratar o teatro lírico.

 

SILVEIRA

 

Ah!

 

MÜLLER

 

Tenho debalde perseguido os ministros, nenhum me tem atendido. Entretanto, o que eu proponho é um verdadeiro negócio da China.

 

AGAPITO

(a Müller)

 

Olhe que não é ao ministro que está falando, é ao primo dele.

 

MÜLLER

 

Não faz mal. Veja se não é negócio da China. Proponho fazer cantar os melhores artistas da época. Os senhores vão ouvir coisas nunca ouvidas. Verão o que é um teatro lírico.

 

SILVEIRA

 

Bem, não duvido.

 

AGAPITO

 

Somente, o Sr. Müller pede uma subvenção.

 

SILVEIRA

 

É justo. Quanto?

 

MÜLLER

 

Vinte e cinco contos por mês.

 

MATEUS

 

Não é má; e os talentos do país? Os que tiverem à custa do seu trabalho produzido inventos altamente maravilhosos? O que tiver posto na mão da pátria a soberania do mundo?

 

AGAPITO

 

Ora, senhor! A soberania do mundo é a música que vence a ferocidade. Não sabe a história de Orfeu?

 

MÜLLER

 

Muito bem!

 

SILVEIRA

 

Eu acho a subvenção muito avultada.

 

MÜLLER

 

E se eu lhe provar que não é?

 

SILVEIRA

 

É possível, em relação ao esplendor dos espetáculos; mas nas circunstâncias do país...

 

AGAPITO

 

Não há circunstâncias que procedam contra a música... Deve ser aceita a proposta do Sr. Müller.

 

MÜLLER

 

Sem dúvida.

 

AGAPITO

 

Eu acho que sim. Há uma porção de razões para demonstrar a necessidade de um teatro lírico. Se o país é feliz, é bom que ouça cantar, porque a música confirma as comoções da felicidade. Se o país é infeliz, é também bom que ouça cantar, porque a música adoça as dores. Se o país é dócil, é bom que ouça música, porque a música adormece os furores, e produz a brandura. Em todos os casos, a música é útil. Deve ser até um meio de governo.

 

SILVEIRA

 

Não contesto nenhuma dessas razões; mas meu primo, se for efetivamente ministro, não aceitará semelhante proposta.

 

AGAPITO

 

Deve aceitar; mais ainda, se és meu amigo, deves interceder pelo Sr. Müller.

 

SILVEIRA

 

Por quê?

 

AGAPITO

(baixo a Silveira)

 

Filho, eu namoro a prima-dona! (alto) Se me perguntarem quem é a prima-dona, não saberei responder; é um anjo e um diabo; é a mulher que resume as duas naturezas, mas a mulher perfeita, completa, única. Que olhos! Que porte! Que donaire! Que pé! Que voz!

 

SILVEIRA

 

Também a voz?

 

AGAPITO

 

Nela não há primeiros ou últimos merecimentos. Tudo é igual; tem tanta formosura, quanta graça, quanto talento! Se a visses! Se a ouvisses!

 

MÜLLER

 

E as outras? Tenho uma andaluza... (levando os dedos á boca e beijando-os) divina! É a flor das andaluzas!

 

AGAPITO

 

Tu não conheces as andaluzas.

 

SILVEIRA

 

Tenho uma que me mandaram de presente.

 

MÜLLER

 

Pois, senhor, eu acho que o governo deve aceitar com ambas as mãos a minha proposta.

 

AGAPITO

(baixo a Silveira)

 

E depois, eu acho que tenho direito a este obséquio; votei com vocês nas eleições.

 

SILVEIRA

 

Mas...

 

AGAPITO

 

Não mates o meu amor ainda nascente.

 

SILVEIRA

 

Enfim, o primo resolverá.

 

 

 

Cena XII

 

OS MESMOS, PACHECO, BASTOS

 

PACHECO

 

Dá licença?

 

SILVEIRA

(à parte)

 

Oh! aí está toda a procissão!

 

BASTOS

 

S. Exa.?

 

SILVEIRA

 

Saiu. Queiram sentar-se.

 

PACHECO

 

Foi naturalmente ter com os companheiros para assentar na política do gabinete. Eu acho que deve ser a política moderada. É a mais segura.

 

SILVEIRA

 

É a opinião de nós todos.

 

PACHECO

 

É a verdadeira opinião. Tudo o que não for isto é sofismar a situação.

 

BASTOS

 

Eu não sei se isso é o que a situação pede; o que sei é que S. Exa. deve colocar-se na altura que lhe compete, a altura de um Hércules. O déficit é o leão de Neméia; é preciso matá-lo. Agora se para aniquilar esse monstro, é preciso energia ou moderação, isso não sei; o que sei é que é preciso talento e muito talento, e nesse ponto ninguém pode ombrear com S. Exa.

 

PACHECO

 

Nesta última parte concordamos todos.

 

BASTOS

 

Mas que moderação é essa? Pois faz-se jus aos cantos do poeta e ao cinzel do estatuário com um sistema de moderação? Recorramos aos heróis... Aquiles foi moderado? Heitor foi moderado? Eu falo pela poesia, irmã carnal da política, porque ambas são filhas de Júpiter.

 

PACHECO

 

Sinto não ter agora os meus artigos. Não posso ser mais claro do que fui naquelas páginas, realmente as melhores que tenho escrito.

 

BASTOS

 

Ah! V. S. também escreve?

 

PACHECO

 

Tenho escrito vários artigos de apreciação política.

 

BASTOS

 

Eu escrevo em verso; mas nem por isso deixo de sentir prazer, travando conhecimento com V.S.

 

PACHECO

 

Oh! Senhor.

 

BASTOS

 

Talvez... Eu já disse que sou da política de S. Exa.; e contudo ainda não sei (para falar sempre em Júpiter...) ainda não sei se ele é filho de Júpiter Libertador ou Júpiter Stator; mas já sou da política de S. Exa.; e isto porque sei que, filho de um ou de outro, há de sempre governar na forma indicada pela situação, que é a mesma já prevista nos meus artigos, principalmente o V...

 

 

 

Cena XIII

 

OS MESMOS, MARTINS

 

BASTOS

 

Aí chega S. Exa.

 

MARTINS

 

Meus senhores...

 

SILVEIRA 

(apresentando Pereira)

 

Aqui o senhor vem convidar-te para jantar com ele.

 

MARTINS

 

Ah!

 

PEREIRA

 

É verdade; soube da sua nomeação e vim, conforme o coração me pediu, oferecer-lhe uma prova pequena da minha simpatia.

 

MARTINS

 

Agradeço a simpatia; mas o boato que correu hoje, desde manhã, é falso... O ministério está completo, sem mim.

 

TODOS

 

Ah!

 

MATEUS

 

Mas quem são os novos?

 

MARTINS

 

Não sei.

 

PEREIRA

(à parte)

 

Nada, eu não posso perder um jantar e um compadre.

 

BASTOS

(à parte)

 

E a minha ode? (a Mateus) Fica?

 

MATEUS

 

Nada, eu vou. (aos outros) Vou saber quem é o novo ministro para oferecer-lhe o meu invento...

 

BASTOS

 

Sem incômodo, sem incômodo.

 

SILVEIRA

(a Bastos e Mateus)

 

Esperem um pouco.

 

PACHECO

 

E não sabe qual será a política do novo ministério? É preciso saber. Se não for a moderação, está perdido. Vou averiguar isso.

 

MARTINS

 

Não janta conosco?

 

PACHECO

 

Um destes dias... obrigado... até depois...

 

SILVEIRA

 

Mas esperem: onde vão? Ouçam ao menos uma história. É pequena, mas conceituosa. Um dia anunciou-se um suplício. Toda gente correu a ver o espetáculo feroz. Ninguém ficou em casa: velhos, moços, homens, mulheres, crianças, tudo invadiu a praça destinada à execução. Mas, porque viesse o perdão à última hora, o espetáculo não se deu e a forca ficou vazia. Mais ainda: o enforcado, isto é, o condenado, foi em pessoa à praça pública dizer que estava salvo e confundir com o povo as lágrimas de satisfação. Houve um rumor geral, depois um grito, mais dez, mais cem, mais mil romperam de todos os ângulos da praça, e uma chuva de pedras deu ao condenado a morte de que o salvara a real clemência. — Por favor, misericórdia para este. (apontando para Martins) Não tem culpa nem da condenação, nem da absolvição.

 

PEREIRA

 

A que vem isto?

 

PACHECO

 

Eu não lhe acho graça alguma!

 

BASTOS

 

Histórias da carochinha!

 

MATEUS

 

Ora adeus! Boa tarde.

 

OS OUTROS

 

Boa Tarde.

 

 

 

Cena XIV

 

MARTINS e SILVEIRA

 

MARTINS

 

Que me dizes a isto?

 

SILVEIRA

 

Que hei de dizer! Estavas a surgir... dobraram o joelho: repararam que era uma aurora boreal, voltaram as costas e lá se vão em busca do sol... São especuladores!

 

MARTINS

 

Deus te livre destes e de outros...

 

SILVEIRA

 

Ah! Livra... livra. Afora os incidentes como o Botafogo... ainda não me arrependi das minhas loucuras, como tu lhes chamas. Um alazão não leva ao poder, mas também não leva à desilusão.

 

MARTINS

 

Vamos jantar.

 

 

 

FIM